Conteúdo

Cálculo Diferencial e Integral II

Solução do 1º Teste, versão A, 2016/04/09

  1. Calcule o volume da região $V=\left\{(x,y,z)\in \mathbb{R}^3: 1-y^2\leq z\leq 2-2y^2, 0\leq x\leq y \right\}$.

    Solução

    Note que $1-y^2\leq 2-2y^2 \Leftrightarrow y\in [-1,1]$ pelo que, usando as restantes condições, $V\subset [0,1]^2\times [0,2]$.

    Animação produzida com Sage via three.js da região $V$.

    O volume será dado por \begin{align*}\iiint_V 1\, dx\,dy\,dz & = \iint_{\{(x,y)\in\mathbb{R}^2: 0\leq x\leq y\leq 1\}}\left(\int_{1-y^2}^{2-2y^2}dz\right)dx\, dy\\ &= \iint_{\{(x,y)\in\mathbb{R}^2: 0\leq x\leq y\leq 1\}} 1-y^2 \, dx\, dy \\ & = \int_0^1\left(\int_0^y 1-y^2 \, dx \right)dy \\ & =  \int_0^1 y-y^3 \, dy =\frac{1}{4}.\end{align*}

  2. Considere uma função definida num subconjunto $D$ de $\mathbb{R}^2$ por \[ f(x,y)=\frac{\sqrt{1-x^2-y^2}}{1-x -y} \]

    1. Determine o domínio $D$ de $f$.

    2. Determine $\operatorname{int} D$, $\partial D$ e $\overline{D}$ e decida se $D$ é aberto, fechado, conexo ou limitado.

    3. Decida se $f$ é ou não uma função limitada.

    4. Decida se $f$ é ou não prolongável por continuidade a $(0,1)$.

    Solução
    1. $D=\{(x,y)\in\mathbb{R}^2: x^2+y^2\leq 1, x+y\neq 1\}$.

    2. Temos

      O domínio $D$ de $f$ que corresponde à bola fechada de raio $1$ centrada em $(0,0)$ excptuando o segmento unindo $(0,1)$ a $(1,0)$.

      \begin{align*}\operatorname{int}D & = \{(x,y)\in\mathbb{R}^2: x^2+y^2\lt 1, x+y\neq 1\} \\ \partial D & =  \{(x,y)\in\mathbb{R}^2: x^2+y^2= 1\}\\  & \qquad \cup \{(x,y)\in\mathbb{R}^2: x+y= 1, x\in [0,1]\}   \\ \overline{D} & = \{(x,y)\in\mathbb{R}^2: x^2+y^2\leq 1\}\end{align*}

      $D$ não é aberto, pois $\operatorname{int}D \neq D$, nem fechado, pois $\overline{D}\neq D$, é limitado, pois $D\subset B_2(0,0)$, e não é conexo pois $D=\{(x,y)\in\mathbb{R}^2: x^2+y^2\leq 1, x+y \gt 1\} \cup \{(x,y)\in\mathbb{R}^2:  x^2+y^2\leq 1, x+y\lt 1\}$ em que cada um dos conjuntos do lado direito da última igualdade não é vazio e a intersecção de cada um deles com o fecho do outro é o conjunto vazio.

    3. Temos, por exemplo, $\lim_{(x,y)\to(1/2,1/2)}f(x,y)=\infty$ pelo que a função $f$ não é limitada.

    4. Como tanto $ \lim_{(x,y)\to(0,1)}\sqrt{1-x^2-y^2}=0$ como $ \lim_{(x,y)\to(0,1)}1-x-y=0$ investigamos o que se passa perto de $(0,1)$ recorrendo a restrições de $f$ a rectas passando por $(0,1)$. Tais rectas têm equações da forma $y=1+\alpha x$ com algum $\alpha \neq 0$ e $\alpha \neq -1$ (nestes casos a recta não intersecta $D$) ou $x=0$. Usando esta última temos $f(0,y)=\frac{\sqrt{1-y^2}}{1-y}=\frac{\sqrt{1+y}}{\sqrt{1-y}}$ pelo que \[\lim_{y\to 1^-}f(0,y)=+\infty\] provando a impossibilidade de realizar o prolongamento por continuidade.

  3. Considere a função $h:\mathbb{R}^2\to\mathbb{R}$ definida por \[\begin{cases}\frac{|x| |y|}{|x|+|y|}, & \text{se $(x,y)\neq(0,0)$,}\\ 0, & \text{se $(x,y)=(0,0)$.} \end{cases}\]

    1. Determine em que pontos é que $h$ é contínua.
    2. Decida se $h$ é ou não diferenciável em $(0,0)$.
    Solução
    1. Usando a continuidade das funções coordenadas, a continuidade das funções módulo e do inverso algébrico, e os teoremas da continuidade da função composta do produto, estabelece-se que a função é contínua no complementar da origem.

      A função também é contínua em $(0,0)$. Para estabelecer a veracidade desta afirmação usamos a definição de continuidade. Como $|x| \leq |x|+ |y|$ e $|y|\leq \sqrt{x^2+y^2}$ estabelecemos que \[\frac{|x| |y|}{|x|+|y|}\leq \sqrt{x^2+y^2}\] donde, sendo $\epsilon\gt 0$ dado, se $\sqrt{x^2+y^2}\lt \epsilon$ também \[|h(x,y)-h(0,0)|\leq \frac{|x| |y|}{|x|+|y|}\lt \epsilon\] pelo que verificámos a definição de continuidade em $(0,0)$.

    2. Como a função é identicamente nula nos eixos coordenados as suas derivadas parciais em $(0,0)$ são nulas. Portanto diferenciabilidade em $(0,0)$ corresponderá a \[\lim_{(x,y)\to(0,0)}\frac{|x| |y|}{(|x|+|y|)\sqrt{x^2+y^2}}=0.\] Tal não é verdade pois considerando a restrição à recta $y=x$ obtemos $\frac{|x| |x|}{(|x|+|x|)\sqrt{x^2+x^2}}=\frac{1}{2\sqrt{2}}$ o que torna impossível o limite ser $0$. Assim $h$ não é diferenciável em $(0,0)$.

  4. Considere funções $F:\mathbb{R}^3\to\mathbb{R}$ com $F\in C^2(\mathbb{R}^3)$ e $G:\mathbb{R}^3\to\mathbb{R}$ definida por \[G(x,y,z)=F(yz,xz,xy).\]
    1. Supondo $\nabla F(0,0,1)=(1,1,1)$, calcule $\nabla G(1,1,0)$.
    2. Exprima $\frac{\partial^2 G}{\partial x\partial z}(1,1,0)$ em termos de derivadas parciais de $F$ adequadas.
    Solução
    1. Seja $T:\mathbb{R}^3\to\mathbb{R}^3$ definida por \[T(x,y,z)=(yz,xz,xy)=(u,v,w).\] Temos $G=F\circ T$. O teorema de derivação da função composta garante que $\nabla G(x,y,z)=\nabla F(T(x,y,z)) J_T(x,y,z)$. Em termos de matrizes \[\begin{bmatrix} \frac{\partial G}{\partial x} & \frac{\partial G}{\partial y} & \frac{\partial G}{\partial z}\end{bmatrix}= \begin{bmatrix} \frac{\partial F}{\partial u} & \frac{\partial F}{\partial v} & \frac{\partial F}{\partial w}\end{bmatrix} \begin{bmatrix}0 & z & y \\ z & 0 & x \\ y & x & 0\end{bmatrix}.\]

      Particularizando para $(x , y, z)=(1,1,0)$ obtém-se \[\begin{bmatrix} \frac{\partial G}{\partial x} & \frac{\partial G}{\partial y} & \frac{\partial G}{\partial z}\end{bmatrix}(1,1,0)= \begin{bmatrix} \frac{\partial F}{\partial u} & \frac{\partial F}{\partial v} & \frac{\partial F}{\partial w}\end{bmatrix}(0,0,1) \begin{bmatrix}0 & 0 & 1 \\ 0 & 0 &1\\ 1& 1 & 0\end{bmatrix}.\] Daí que $\nabla G (1,1,0)=(1,1,2)$.

    2. Uma das igualdades obtidas na alínea anterior para derivadas parciais de $G$ é \[\frac{\partial G}{\partial x}=z \frac{\partial F}{\partial v}(yz,xz,xy)+y \frac{\partial F}{\partial w}(yz,xz,xy).\]

      Derivando ambos os membros em ordem a $z$, usando de novo o teorema de derivação da função composta, obtém-se \begin{align*}\frac{\partial^2 G}{\partial z \partial x}&=\frac{\partial F}{\partial v}(yz,xz,xy) + yz \frac{\partial^2 F}{\partial u \partial v}(yz,xz,xy)+xz \frac{\partial^2 F}{\partial v^2}(yz,xz,xy)\\ & \qquad +y^2 \frac{\partial^2 F}{\partial u\partial w}(yz,xz,xy)+xy \frac{\partial^2 F}{\partial v \partial w}(yz,xz,xy).\end{align*}

      Daí que $\frac{\partial^2 G}{\partial x\partial z}(1,1,0)=\frac{\partial^2 G}{\partial z\partial x}(1,1,0)=\frac{\partial F}{\partial v}(0,0,1)+ \frac{\partial^2 F}{\partial u\partial w}(0,0,1)+ \frac{\partial^2 F}{\partial v \partial w}(0,0,1)$. A primeira igualdade decorre do teorema de Schwarz e de $F$ ser suposta $C^2(\mathbb{R}^3)$.

  5. Determine o contradomínio da função $\psi:S\subset\mathbb{R}^2\to \mathbb{R}$ definida por $\psi(x,y)=(x^2+y^2-1)x^2 y$ em que $S=\{(x,y)\in\mathbb{R}^2: x^2+y^2\leq 1, x\geq 0, y \geq 0\}$.

    Solução

    Como $S$ é conexo, limitado e fechado os teoremas de Weierstrass e do valor intermédio garantem que $\psi(S)$ é um intervalo limitado e fechado. Como em $\operatorname{int} S=\{(x,y)\in\mathbb{R}^2: x^2+y^2\lt 1, x\gt 0, y \gt 0\}$ temos $\psi\lt 0$ e em $\partial S=S\setminus \operatorname{int} S$ temos $\psi=0$, podemos ainda afirmar que $\psi(S)=[c,0]$ para algum $c\lt 0$. Para determinarmos $c$ procuramos possíveis pontos de mínimo de $\psi$ em $\operatorname{int} S$ via o sistema de estacionaridade de $\psi$: \[\begin{cases}2x^3 y+(x^2+y^2-1)2xy =0 \\ 2x^2 y^2 + (x^2+y^2-1) x^2=0\end{cases}\]

    Descartando soluções correspondendo a pontos verificando $x=0$ ou $y=0$, que correspondem a pontos sobre $\partial S$, somos conduzidos a um sistema linear em $x^2$ e $y^2$: \[\begin{cases}2x^2+y^2 =1 \\ x^2 + 3 y^2=1\end{cases}\]

    Este sistema tem uma única solução em $\operatorname{int}S$ que é $(x,y)=\left(\sqrt{\frac{2}{5}},\frac{1}{\sqrt{5}}\right)$ que portanto será o único ponto de mínimo absoluto de $\psi$. Assim $c=\psi\left(\sqrt{\frac{2}{5}},\frac{1}{\sqrt{5}}\right)=-\frac{4}{25\sqrt{5}}$.

  6. Para $k\in\mathbb{N}_1$ seja $P_k=\left\{(x,y)\in\mathbb{R}^2:x+y=\frac{1}{k}\right\}$ e considere $\phi:[0,1]^2\to\mathbb{R}$ definida por \[ \phi(x,y)=\begin{cases}\operatorname{arctg}(k), & \text{se $(x,y)\in P_k$,} \\ \frac{\pi}{2}, & \text{caso contrário.} \end{cases} \]

    Determine os pontos em que $\phi$ é contínua e decida se $\phi$ é ou não integrável em $[0,1]^2$.

    Solução

    As equações $x+y=\alpha\in\mathbb{R}$ definem rectas paralelas duas a duas em $\mathbb{R}^2$. Uma tal recta é um gráfico da aplicação afim, e portanto contínua, $\mathbb{R}\ni x \mapsto \alpha-x$. Daí que uma tal recta tenha medida nula em $\mathbb{R}^2$ e, dado um ponto que lhe pertença e $\epsilon\gt 0$, existe uma bola centrada no ponto em que $x+y\in {]\alpha-\epsilon, \alpha+\epsilon[}$. Tal acarreta que $\phi$ é contínua exclusivamente nos pontos de $[0,1]^2$ que não verificam $x+y=\frac{1}{k}$ para algum $k\in\mathbb{N}_1$. Com efeito para qualquer um desses pontos existe uma bola centrada no ponto onde a função é constante e toma o valor $\pi/2$. Para um ponto numa recta $x+y=1/k$ e qualquer bola centrada nele existem nessa bola pontos onde a função toma o valor $\frac{\pi}{2}$ e pontos onde a função toma o valor $\arctg k\neq \frac{\pi}{2}$. Em $(0,0)$ a função é contínua pois $\lim_{k\to +\infty}\arctg k = \frac{\pi}{2}$ e dado $K\gt 0$ existe uma bola centrada em $(0,0)$ que só intersecta rectas $x+y=\frac{1}{k}$ com $k\gt K$.

    Um diagrama do domínio de $\phi$ ilustrando os três tipos de pontos necessários para argumentar sobre continuidade. Seja $S$ o complementar da união dos $P_k$s e de $\{(0,0)\}$, i.e. $S=[0,1]^2\setminus \left(\cup_k P_k \cup \{(0,0)\}\right)$. Uma bola centrada em $(0,0)$ intersecta uma infinidade de rectas $P_k$ e $S$. Uma bola centrada num ponto de uma recta $P_k$ intersecta sempre essa recta e $S$. Uma bola com raio suficientemente pequeno centrada num ponto de $S$ só contém pontos de $S$ onde $\phi$ vale $\frac{\pi}{2}$.

    Assim os pontos em que $\phi$ não é contínua formam uma união numerável de conjuntos com medida nula e que portanto também tem medida nula. Sendo assim a função $\phi$ é integrável em $[0,1]^2$.

 


Última edição desta versão: João Palhoto Matos, 06/06/2020 09:00:57.